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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

O Copo

o corpo é um copo
um copo é um corpo
corpo
córpo
o córpo é um copo
o corpo é um córpo
um copo é um copo
um corpo é um
corpo

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Sobre a origem da poesia

Olá, Invasor!
Já que a pouca inspiração não tem me permitido escrever muita coisa digna de um post vai um Ctrl + V de um texto que eu retirei do site oficial do Arnaldo Antunes, site muito bom por sinal.
Gostei bastante dos comentários do último post apesar de o final do poema não ter agradado muito. Vou ser franco, a parte do final foi a que eu menos trabalhei e depois de ler os comentários eu fiquei divido quanto ao que eu tinha escrito, até adicionei um "talvez" na última estrofe. Mas foi muito bom pro lado de cá, me fez enxergar com outros olhos o que eu escrevi nesse e em outros posts. Muito bom mesmo, continuem assim! Aproveitem que o Botão Redondo e Vermelho ainda tem aquele click gostoso de botão novo bem tentador.
E quem sabe um dia eu resolva postar alguma conversação mais extensa que esses breves comentários, mas costumo não gostar do que eu escrevo nesse tom.
Se cuide, Invasor!


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Sobre a Origem da Poesia
Arnaldo Antunes

"12 Poemas para dançarmos" (12 poems to be danced: 2000

A origem da poesia se confunde com a origem da própria linguagem.
Talvez fizesse mais sentido perguntar quando a linguagem verbal deixou de ser poesia. Ou: qual a origem do discurso não-poético, já que, restituindo laços mais íntimos entre os signos e as coisas por eles designadas, a poesia aponta para um uso muito primário da linguagem, que parece anterior ao perfil de sua ocorrência nas conversas, nos jornais, nas aulas, conferências, discussões, discursos, ensaios ou telefonemas.
Como se ela restituísse, através de um uso específico da língua, a integridade entre nome e coisa — que o tempo e as culturas do homem civilizado trataram de separar no decorrer da história.
A manifestação do que chamamos de poesia hoje nos sugere mínimos flashbacks de uma possível infância da linguagem, antes que a representação rompesse seu cordão umbilical, gerando essas duas metades — significante e significado.
Houve esse tempo? Quando não havia poesia porque a poesia estava em tudo o que se dizia? Quando o nome da coisa era algo que fazia parte dela, assim como sua cor, seu tamanho, seu peso? Quando os laços entre os sentidos ainda não se haviam desfeito, então música, poesia, pensamento, dança, imagem, cheiro, sabor, consistência se conjugavam em experiências integrais, associadas a utilidades práticas, mágicas, curativas, religiosas, sexuais, guerreiras?
Pode ser que essas suposições tenham algo de utópico, projetado sobre um passado pré-babélico, tribal, primitivo. Ao mesmo tempo, cada novo poema do futuro que o presente alcança cria, com sua ocorrência, um pouco desse passado.
Lembro-me de ter lido, certa vez, um comentário de Décio Pignatari, em que ele chamava a atenção para o fato de, tanto em chinês como em tupi, não existir o verbo ser, enquanto verbo de ligação. Assim, o ser das coisas ditas se manifestaria nelas próprias (substantivos), não numa partícula verbal externa a elas, o que faria delas línguas poéticas por natureza, mais propensas à composição analógica.
Mais perto do senso comum, podemos atentar para como colocam os índios americanos falando, na maioria dos filmes de cowboy — Eles dizem "maçã vermelha", "água boa", "cavalo veloz"; em vez de "a maçã é vermelha", "essa água é boa", "aquele cavalo é veloz". Essa forma mais sintética, telegráfica, aproxima os nomes da própria existência — como se a fala não estivesse se referindo àquelas coisas, e sim apresentando-as (ao mesmo tempo em que se apresenta).
No seu estado de língua, no dicionário, as palavras intermediam nossa relação com as coisas, impedindo nosso contato direto com elas. A linguagem poética inverte essa relação pois vindo a se tornar, ela em si, coisa, oferece uma via de acesso sensível mais direto entre nós e o mundo.
Segundo Mikhail Bakhtin, (em "Marxismo e Filosofia da Linguagem") "o estudo das línguas dos povos primitivos e a paleontologia contemporânea das significações levam-nos a uma conclusão acerca da chamada 'complexidade' do pensamento primitivo. O homem pré-histórico usava uma mesma e única palavra para designar manifestações muito diversas, que, do nosso ponto de vista, não apresentam nenhum elo entre si. Além disso, uma mesma e única palavra podia designar conceitos diametralmente opostos: o alto e o baixo, a terra e o céu, o bem e o mal, etc". Tais usos são inteiramente estranhos à linguagem referencial, mas bastante comuns à poesia, que elabora seus paradoxos, duplos sentidos, analogias e ambiguidades para gerar novas significações nos signos de sempre.
Já perdemos a inocência de uma linguagem plena assim. As palavras se desapegaram das coisas, assim como os olhos se desapegaram dos ouvidos, ou como a criação se desapegou da vida. Mas temos esses pequenos oásis — os poemas — contaminando o deserto da referencialidade.

www.arnaldoantunes.com.br

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Casacos Pretos, Peles Brancas, Carne Vermelha

Me aprontei rápido e fui ao seu encontro.
Roupas simples: o mesmo casaco preto de sempre,
o mesmo perfume.
Passei numa banca e comprei um Halls,
fui pegar meu ônibus.
Cheguei cedo, lugar tranqüilo
alguns minutos depois chegou ela
e gostei do que vi muito mais do que poderia imaginar
ela também trouxera o seu casaco preto.

O tempo todo reparava
nos seus olhos escuros, no rosto e nas mãos brancas.
Ela me olhou da cabeça aos pés
disse que gostou do cabelo.

A conversa fluiu em tom agradável
falamos sobre casualidades
Gostei especialmente da parte
sobre sonhos e espiritismo
que de certa forma foi nos aproximando.

Fomos andar um pouco pra aquecer
e pude reparar no seu caminhar
apesar de hoje não lembrar muito bem de suas pernas.
Usava calça jeans justa.

Ficamos conversando, caminhando e parando pra sentar
por horas horas a fio
que passaram como algumas dezenas de minutos.
E no começo de cada silêncio
fizemos pactos por debaixo das mangas dos casacos.

O lugar estava lotado,
convidei-a para sair e dar uma volta.
Fez que sim com a cabeça e começou a andar sem pressa.
Deviam fazer algumas horas que eu já não pensava nos meus atos,
ela se mostrou um pouco inquieta.
E não muito longe dali alguém puxou um abraço,
um beijo,
uma mordida.
Descobrimos no gosto do corpo da gente
nosso único gosto em comum.
Entre um beijo e outro
pude ver seu olhar altivo desnorteado
quase que puxando a minha boca enquanto eu tomava fôlego
e apreciava cheio de gosto a vista.

Depois de bastante tempo, o caminho de volta:
palavras aliviadas, olhares extasiados, passos levianos
Um selinho de despedida
encerrando ali qualquer cumplicidade.

Depois disso peguei-me com o dedo nos lábios
tocando sensações estranhas.
Voltamos a nos falar pelo telefone,
mas foi indiferente àquele dia.
Se pudesse mudar,
talvez escolheria o desencontro:
um dos dois mudando de cidade repentinamente
perdendo o número do telefone, os contatos da internet
aguçando a imaginação, confundindo as lembranças
pra melhor ou pior.